Anos 1970

Depois da ressaca, a fênix dos petroleiros

A década de 1970 representa o ressurgimento do Sindipetro-LP como uma das principais forças do movimento dos trabalhadores, deixando marcas na luta contra o autoritarismo militar brasileiro e mantendo a tradição de resistência dos petroleiros.

"As duas Juntas de Conciliação e Julgamento de Santos decidiram, hoje, suspender cerca de 50 homologações de contrato de trabalho de empregados da Petrobrás, instaurando ainda sindicâncias para apurar a coação que vem sendo praticada pela empresa no caso da opção ao FGTS, no prazo de 48 horas, a trabalhadores com mais de nove anos de serviço."

Waldemar Alonso Perez era o presidente recém-eleito do Sindipetro quando deu essa declaração ao jornal A Tribuna, em 15 de dezembro de 1970. O primeiro ano da década se encerrava para muitas categorias – entre elas a petroleira – sob o marco da luta contra o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), instituído pela Lei 5.107, de 13 de setembro de 1966. Petroleiros com nove anos de carteira assinada (a lei da Estabilidade valia para petroleiros com 10 anos ou nove anos e 11 meses de empresa) aderiam ao FGTS e imediatamente eram demitidos, perdendo o direito de receber uma indenização dobrada. Na Justiça, o Sindipetro conseguiu cancelar quase uma centena de homologações e iniciou campanha contra a adesão ao FGTS.

Com as consequências políticas do AI-5 corroendo, como ferrugem, o tacão de ferro resistente dos grupos organizados contra os militares, os anos 1970 sinalizaram aos petroleiros que o importante era não deixar o Sindicato morrer, acumular forças e, aos poucos, ir reestruturando o movimento petroleiro no Litoral Paulista. Em 1971, a RPBC completou 16 anos e, em abril, recebeu a visita do general Ernesto Geisel, futuro presidente da Ditadura e então presidente da Petrobrás. No período, a Refinaria processava 120 mil barris diários de petróleo e passaria ao número de 165 mil, com a conclusão das obras de ampliação, as quais recebiam a supervisão de Geisel naquele mês.

Após o golpe militar, sede de Santos que funcionava na Rua Itororó é transferida para a Avenida Senador Feijó.

A RPBC crescera, o Terminal Almirante Barroso (TEBAR), em São Sebastião, já operava desde 1969 e a categoria petroleira, consequentemente, acompanhava tais crescimentos. Ainda assim, o Sindicato continuava sufocado pelos militares, como relembra Rivaldo Ramos, técnico de operação da RPBC e liderança histórica da categoria, que assumiu o posto de dirigente sindical pela primeira vez em 1973.

O combativo e forte Fórum Sindical de Debates, com as prisões e perseguições desde o golpe, havia sido desmantelado. Mesmo sem intervenção, a repressão era uma realidade e dezenas de lutadores brasileiros tombavam no combate ao regime. Pela América Latina, muitos países sofriam no fio da navalha da baioneta dos milicos, inclusive colaborando entre si com a nefasta Operação Condor. Poucas, mas importantes, as ações do Sindipetro não cresceram.

Em 1972, a diretoria passou a trabalhar no projeto da construção de uma sede própria, concretizado apenas 11 anos depois. Também conseguiu a fixação de uma data-base – 1º de setembro – para negociação salarial. Como não poderia deixar de ser, mais uma vez o governo e a empresa tentaram acabar com o turno de 6 horas: um projeto governamental dispunha que, durante o período em que o empregado permanece do regime de oito horas, teria direito ao pagamento do dobro da hora de repouso e mais um repouso de 24 horas consecutivas para cada três turnos trabalhados, mas permanecendo alerta caso a Petrobrás precisasse de seus serviços emergencialmente.

Indícios de um naufrágio

De certa forma, o Sindicato combatia o regime autoritário, instalado no Planalto Central, se opondo aos seus projetos. Foi assim depois do Golpe, com o arrocho salarial – malfadado projeto econômico -, e assim prosseguiu até o “abrandamento” gradual do regime, depois de 1976. Por volta de 1972, 1973, o governo militar de Garrastazu Médici sofreu com o 1º choque do petróleo, motivado pelo conflito entre Israel e o mundo árabe, liderado pela Palestina. Era a Guerra dos Cem Dias, que fez os preços do barril irem aos mais altos níveis pela falta do produto no mercado. Tais notícias eram péssimas aos petroleiros, já que seus salários eram determinados pelo custo final do produto, mais caro, mas escasso em todo canto do mundo, inclusive no Brasil. Nesse ínterim, ainda em 1972, morre Alonso Perez, antes de completar a gestão. Assume o vice, Geraldo Siqueira de Almeida.

O chamado “Milagre Econômico” naufragava e a repressão atingia sua mais aguda insanidade. Geraldo Siqueira completou a gestão em 1973, ano em que a oposição acabou vencendo as eleições com Aloysio de Oliveira na cabeça da chapa. E sim, na história oficial e de fato, Aloysio foi o presidente do sindicato de 1973 a 1976, mas o responsável por organizar clandestinamente a chapa que retomaria o sindicato para o caminho da combatividade foi José Gonçalves. Militante do partidão (PCB) e um dos ativistas da categoria mais expostos à perseguição dos milicos, articulou de maneira subterrânea a formação da chapa. Em entrevista para o Sindicato em 2017 ele relembrou este período.

Num poço sem fundo, a economia do Brasil afundava, a insatisfação crescia e, na política institucional, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) faturava cada vez mais eleitores nos municípios. Novos poços foram descobertos pela Petrobrás na Bacia de Campos e no que é hoje denominada a Bacia de Santos.

A Petrobrás começou a dar mais importância ao potencial exploratório no Litoral Paulista. Em junho de 1976, com o Sindipetro elegendo nova gestão com Pedro Sampaio como presidente, ocorreu a abertura da Rodovia dos Imigrantes e um novo ciclo de desenvolvimento ascendeu na Baixada Santista. Um ano antes, com o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões do DOI-CODI, a Ditadura havia comprado um desgaste primoroso ao espectro da retomada democrática. Já era quase impossível segurar os movimentos que sobreviveram até aquele instante.

Por sua vez, o Sindipetro começou a ganhar musculatura junto com dezenas de outros sindicatos. O custo de vida aumentava na mesma toada das mobilizações públicas. No Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais do Petróleo, realizado em agosto de 1976, na cidade de Porto Alegre (RS), uma extensa plataforma de reivindicações foi aprovada. O carro chefe era o aumento salarial de 54% e na carta seguiu, entre outras bandeiras, equiparação salarial, vantagens salariais futuras, redução de juros e dilatação de prazo para aquisição da casa própria, reformulação das faixas salariais, inclusão de ½ na participação dos lucros e piso salarial. Tudo isso seria defendido pelo Sindipetro do Litoral Paulista. Os Sindipetros de todo o país combatiam, também, o distanciamento entre o maior e o menor salário na Petrobrás e chegaram a propor ao Ministério do Trabalho um plano para resolver o problema.

XII Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais do Petróleo

Sede: Sindipetrosul

Período: 19 a 24.07.1976

Greve de fome e anistia

Em 4 de agosto de 1978, observando a crescente dos movimentos sindicais, o então presidente Ernesto Geisel baixou o decreto-lei 1.632, que redefinia as atividades essenciais, nas quais as greves eram proibidas pela Constituição Federal. O setor do petróleo estava inserido e os petroleiros do país se posicionaram de maneira contrária. Por essa altura, o Sindipetro já estava mais forte, ensaiando suas grandes mobilizações dos anos 1980. A diretoria enfrentava a intervenção na RPBC com afinco, retomando firmemente o projeto da sede própria e iniciando uma grande renovação na forma de fazer movimento sindical, antevendo as mudanças que se avizinhavam com as greves do ABC. As primeiras discussões sobre anistia aos presos e exilados políticos ganhavam forma, inclusive com defesas vindas da cúpula militar, caso do general Euler Bentes Monteiro, candidato à presidência da sucessão de Ernesto Geisel.

Imagens do início das obras para a construção da sede própria do Sindipetro, em Santos, no ano de 1979. Ela seria inaugurada em junho de 1983.

Ainda em agosto, Sindipetros de todo o país pararam parcialmente, pleiteando aumento de níveis e 20% de reajuste salarial. Era a primeira vez, em 14 anos, que a Petrobrás abria a possibilidade dos sindicatos decidirem se aceitariam ou não uma proposta dela. Primeira vez, também, que ocorrem as primeiras mobilizações de peso na categoria sob a vigência da ditadura militar. Os então 11 Sindipetros nacionais adotaram cautela e logo aceitaram a proposta, desenvolvendo a tática de radicalizar os movimentos aos poucos para, gradativamente, garantir a abertura da empresa.

Na ocasião, o movimento dos petroleiros no Litoral Paulista era de greve de fome! Além disso, foi daqui do Litoral Paulista que começou o processo mais agudo deste movimento que, em pouco tempo, atingiu todas as bases do Sistema Petrobrás. Ao final, conseguiram 10% de aumento e parte do aumento de níveis exigido. Rivaldo Ramos relembrou este período.

As assembleias petroleiras, na ocasião, aconteciam no Sindicato dos Metalúrgicos, na Avenida Ana Costa, e os petroleiros sempre que saíam delas viam o sindicato cercado de policiais. Em 21 de agosto de 1978, um esquema armado pela ROTA, da Polícia Militar, patrulhou quase a Cidade inteira com viaturas e concentração de cavalaria na porta dos Metalúrgicos. A “cerveja” pós-assembleia não tinha condições de acontecer: ninguém podia dar mole aos repressores. Mesmo depois do fim da greve de fome, o Sindipetro deflagrou a operação “quebra-galho”, que consistia na negativa do petroleiro ao ser solicitado pela chefia, e a operação “amnésia”, cuja tática era “esquecer” o crachá em casa; essa ação simples, tomada de maneira coletiva, atrasava o início do horário de trabalho e as direções das bases da Petrobrás no Litoral Paulista tinham que providenciar autorização especial para cada petroleiro.

No vídeo abaixo, Rivaldo relembra as várias táticas adotadas neste período para mobilizar a categoria:

Abaixo, relembra as artimanhas adotadas para garantir o trabalho de base, com reuniões secretas até no banheiro.

No país, a brisa da democracia foi ficando mais forte. Em 1979, começou a campanha pela anistia e, mais uma vez, o Sindipetro-LP desempenharia um papel fundamental neste processo. Além da adesão nas atividades, Pedro Sampaio seria responsável pela anistia de centenas de trabalhadores, entre eles os presos e demitidos da RPBC em 1964 e 1969. Pessoalmente fez o relatório de cada um, logo que o governo militar aprovou a Lei da Anistia. Os anistiados petroleiros do Litoral Paulista foram readmitidos como sócios do Sindipetro e começaram uma intensa luta para rever ou serem indenizados pela perda do emprego. Sobre a figura de Pedro Sampaio, recuperamos o depoimento de Rivaldo Ramos para o documentário ‘Tudo ou Nada’.

Ao som de “Vai Passar”, de Chico Buarque, e “O bêbado e o equilibrista”, de João Bosco, o Brasil recebia de volta os exilados e começava a contar seus mortos. Era o início dos anos 1980, época de ouro para o Sindipetro e para o sindicalismo brasileiro. Década da redemocratização.

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