Anos 1950

Nos anos 1940, a luta pelo petróleo se acirra; nos anos 1950, a vitória se consolida

O Brasil é um dos maiores produtores de petróleo do mundo. No último ranking, divulgado em 2018, já ocupava a 9ª posição. Com a produção recorde no pré-sal, que hoje corresponde a mais da metade de tudo o que o país produz de petróleo, a expectativa é de que essa posição seja superada em poucos anos. Se levarmos em conta as reservas de pré-sal já descobertas, o país pula para a 3ª posição com 198,6 bilhões de barris do ouro negro, atrás apenas de Venezuela e Arábia Saudita.

Não por acaso, nossas reservas são alvo constante de cobiça das multinacionais. A comprovada espionagem norte-americana sobre a tecnologia desenvolvida pela Petrobrás para descobrir e explorar este recurso estratégico; e o intenso lobby para que projetos de lei sejam aprovados no Congresso e Senado para ampliar a presença estrangeira também se explicam pelo enorme volume deste tesouro finito que temos no fundo do oceano.

E se hoje o esforço estrangeiro é para abocanhar o máximo possível de nossas reservas, no passado mais distante foi para que esta riqueza não fosse sequer descoberta. Além da sistemática campanha que dizia não existir petróleo no Brasil, nossa história é também repleta de relatos sobre sabotagens contra as tentativas de provar a existência do ouro negro em nosso solo.

A mais conhecida e simbólica talvez seja a de José Bach, geólogo e mineralogista alemão que, em 22 de fevereiro de 1918, garantiu que estudos conduzidos por ele comprovavam a existência de petróleo no Riacho Doce, em Alagoas. Meses depois, no dia 2 de dezembro, ele morreu afogado nas águas da Lagoa Manguaba em circunstâncias suspeitas. Monteiro Lobato, que além de escritor dedicou-se a militar em defesa da soberania nacional através da exploração petrolífera, chega a citar José Bach no livro “O Escandâlo do Petróleo”.

A primeira descoberta de petróleo acaba sendo registrada duas décadas depois, em 1938, num bairro de Salvador chamado Lobato. A partir daí, a ofensiva estrangeira se dá de outra maneira e ganha força uma polêmica que persiste até hoje: afinal, qual a melhor política a ser adotada pelo país? De um lado estavam os nacionalistas, que defendiam o regime de monopólio estatal; do outro os entreguistas, que acreditavam na tese da participação da iniciativa privada.

Primeiro poço de petróleo no Brasil, 1939. Lobato (BA)

Essas coincidências são muito significativas para entender esse período em que os trustes não achavam petróleo e não deixavam que se achasse petróleo no Brasil. Porque no mundo inteiro achar petróleo era privilégio da Esso, era privilégio dos trustes internacionais. Quer dizer, este é realmente um quadro que vale para entendermos a estrutura da politica petrolifera no país.

Euzébio Rocha, em entrevista ao CPDOC da Fundação Getúlio Vargas.

Euzébio foi deputado federal pelo PTB e integrou a comissão diretora do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN), fundado em abril de 1948 com o objetivo de promover a tese do monopólio estatal do petróleo.

Santos também se engajou nos debates pró-monopólio estatal do petróleo e organizou sua seção do CEDPEN. Publicado no dia 16 de setembro de 1953, no Jornal A Tribuna.​

Um ano antes, em 1947, o Clube Militar já havia iniciado uma série de palestras sobre o petróleo e as opiniões racharam em duas: de um lado, o grupo do General Horta Barbosa, defensor do monopólio, de outro, o General Juarez Távora, articulado numa posição conciliadora com o capital estrangeiro.

Os debates passam a ganhar espaço na sociedade, repercutindo sobre diversas organizações. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) começou a participar e a União Nacional dos Estudantes (UNE) montou a Comissão Estudantil em Defesa do Petróleo, realizando o primeiro ato público em defesa do monopólio. O caminho estava aberto para o início da campanha “O Petróleo é Nosso!”, uma das principais páginas da história de lutas do povo brasileiro.

Campanha “O Petróleo é Nosso!”, nada igual desde a abolição

Cartaz do Partido Comunista Brasileiro (PCB).​

Maria Augusta Tibiriçá, uma das principais lideranças da campanha “O Petróleo é nosso!”, defende que essa foi a maior luta desde a abolição. O caráter popular, o suprapartidarismo e a organização – elementos aliados ao nacionalismo – fizeram da campanha uma grande mobilização nacional.

“Foi a maior página da história do Brasil em profundidade, em tempo de duração, em abrangência, em justeza e vitória. Foi uma campanha de oito anos de trabalho diuturno. Não houve outra”, concluiu Maria Augusta, em depoimento ao almanaque: Memória dos Trabalhadores da Petrobrás.

Luiz Leite Santana, mais conhecido como Zangado, nem sonhava ser trabalhador da estatal. Tinha apenas 18 anos. No entanto, comprovando o caráter popular da campanha, foi um entusiasta daquele movimento. Anos mais tarde, acabaria ingressando na empresa e participando da fundação do Sindipetro Litoral Paulista, sendo um dos primeiros trabalhadores da Petrobrás em São Sebastião, no Terminal Almirante Barroso (Tebar).

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A criação da Petrobrás no dia 3 de outubro de 1953 – por meio da lei nº 2004 – é fruto, portanto, de um intenso, amplo e vitorioso movimento popular em defesa do petróleo brasileiro. Naquela época, estudantes, trabalhadores e brasileiros que se engajaram na campanha “O Petróleo É Nosso!” não sabiam o real potencial do país no setor petrolífero, mas sabiam muito bem o quanto era estratégico para a soberania nacional e desenvolvimento do país. 

“A Petrobrás era uma questão de honra para as pressões americanas, uma questão de honra tão grande que, já em 1946, quando nós redigimos o artigo 153 parágrafo 1 da Constituição, o senhor Shopell se hospedou no hotel Glória e passou a manter contatos com deputados da UDN e do PSD no sentido de modificar esse dispositivo. Porque a Carta de 37 afirmava que só podiam explorar minérios no país brasileiros ou empresas constituídas exclusivamente por brasileiros. Ele conseguiu incluir uma emenda que, por coincidência, o Ernâni Sátiro apresentou, na qual estabelecia o seguinte: ‘… e as empresas organizadas no Brasil.’ Na parte “empresas organizadas no Brasil” cabe a Shell, cabe a Esso, cabe qualquer empresa estrangeira”, disse Euzébio.

Reportagem do Jornal Imprensa Popular, do Rio de Janeiro, 13 de abril de 1952.​

Por fim, ele completa:

“Eu tenho a impressão que essa pressão foi tão imoral que ajudou de certa forma a campanha ‘O petróleo é nosso’ e a resistência que impediu que o petróleo caísse em mãos de grupos estrangeiros.”

Euzébio Rocha é um personagem importante. Foi ele o responsável por apresentar em janeiro de 1952 um projeto substitutivo à lei proposta por Getúlio para a questão do petróleo. Enviado em dezembro de 1951 ao Congresso, o projeto do presidente estabelecia a Petrobrás como uma empresa de economia mista. Com a aprovação do novo texto, elaborado por Euzébio, ela passou a ser inteiramente estatal. Em homenagem, o auditório do Sindipetro-LP, em Santos, foi batizado com o nome dele.

O início do resto da vida dos petroleiros

A década de 1950 também marcou o início organização petroleira no Litoral Paulista e a construção da Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão (RPBC), essencial para a existência da Petrobrás, pois foi a primeira grande refinaria do Brasil e a primeira da estatal.

“Dutra iniciou; Getúlio construiu; Café filho inaugura hoje a refinaria”

Foi dessa maneira que o jornal santista “O Diário” noticiou a inauguração da RPBC, em 16 de abril de 1955. O elemento interessante dessa manchete é o percurso pelo qual a refinaria passou: pensada na gestão de Eurico Gaspar Dutra, ela foi projetada e construída por Getúlio Vargas e inaugurada por Café Filho. Ou seja, três visões diferenciadas de país e da questão do petróleo estiveram na construção da RPBC.

A refinaria Presidente Bernardes foi inaugurada pelo presidente da República, Café Filho – com a presença do então recém-empossado governador paulista Jânio Quadros -, e foi registrada pela Agência Nacional em um cine-jornal.

No início, havia muita precariedade e desorganização no trabalho. Mas pela especificidade da indústria do petróleo, a remuneração ofertada era atraente e muitos operários buscaram uma oportunidade de trabalho na recém-inaugurada refinaria.

Neste período, a direção da unidade estruturou um Centro de Treinamento com professores holandeses, americanos e de várias outras nacionalidades. A presença dos estrangeiros fez com que os petroleiros tivessem contato com as boas condições de trabalho e salário da categoria em outras partes do mundo.

Imagens da construção da refinaria.

O superintendente da época era o coronel Adolfo Roca Diegues, extremamente nacionalista. Depois de uma consulta geral, deixou para os operadores a missão de conduzir a refinaria, conforme relata Maurinho, que foi “fichado” na RPBC em 23 de março de 1954, quando ainda estava em obra. Ele trabalhou como eletricista e testemunhou os primeiros acidentes ocorridos na unidade.

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Associação, primeira ferramenta coletiva da categoria

Entre 1955 e 1957, houve várias tentativas de organização da categoria. Até que, em 1958, é fundada a Associação Profissional dos Trabalhadores na Indústria de Petróleo e Produtos Derivados de Cubatão, tendo como primeiro e único presidente o petroleiro Zoaines de Moraes Filho.

Para Ubirajara Franco, que participou da fundação da Associação e posteriormente do Sindicato, o grande gatilho para a categoria se organizar foi a disparidade salarial que existia na refinaria.

Reunião da antiga Associação, pouco antes de se converter em Sindicato.

Apesar de nacionalista, Roca Diegues era contra a organização dos trabalhadores. Para persuadi-lo, Zoaines o convenceu de que seria uma entidade apenas com fins sociais, para eventos na praia e lazer, como conta no vídeo abaixo Maurinho.

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O medo dos petroleiros de filiarem-se à Associação era geral, sendo que alguns filiados chegaram a ser demitidos diretamente por Roca Diegues, conforme relatou Ubirajara.

Por isso, tudo era feito de maneira mais sigilosa possível. Mesmo porque a grande bandeira naquele momento era a formação do Sindicato. E a Associação acreditava que criar o Sindicato e solucionar problemas trabalhistas podia ser o começo do desenvolvimento da empresa.

Para o Sindicato ser oficializado, um terço da categoria precisava assinar o que na época representava cerca de mil adesões. João Baptista percorreu toda RPBC, fora de seu horário de trabalho, convidando cada petroleiro a participar do Sindicato. Explicava os planos, apontava as necessidades e, com sua capacidade de liderança, ia conseguindo assinaturas.

Era uma briga terrível. Existia divergência entre a Associação e o Ministério do Trabalho, além da própria direção da refinaria. Estava tudo indefinido, sem clareza. Foi um começo de muita confusão.

Pedro Sampaio, ex-presidente do Sindipetro-LP

Pedro Sampaio coordena assembleia da categoria em frente à RPBC.

Após muita luta, nasce o Sindipetro

Presidida por Luiz Borba da Silva e secretariada por Geraldo Silvino, na noite de 19 de dezembro de 1958, a Assembleia Geral Extraordinária da Associação Profissional dos Trabalhadores na Indústria de Petróleo e Produtos Derivados de Cubatão decretou seu próprio fim e fundou o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo e Produtos Derivados de Cubatão. A votação ocorreu em outra entidade de grande trajetória de luta, o Sindicato dos Bancários, na Rua XV de Novembro, 118. Zoaines permaneceu na presidência, cargo que já desempenhava na Associação, até as primeiras eleições diretas.

A primeira sede do Sindipetro-LP, em Santos, funcionava na Rua Itororó. Após o golpe militar, foi transferida para a Avenida Senador Feijó. Em 1983, fruto do esforço coletivo da categoria, foi inaugarado a nova sede, na Av. Conselheiro Nébias, onde permanece até hoje.

A Assembleia teve presença maciça da categoria e a fundação do Sindicato foi aprovada por unanimidade, na presença de diversas outras categorias, além do presidente do Fórum Sindical de Debates, João Moraes Chaves. Depois deste processo, o Sindicato passaria a se firmar como um dos mais importantes do país. A RPBC avançava. O momento era propício para a luta dos petroleiros.

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