Brasileiro enche o tanque e esvazia o carrinho: venda de combustíveis sobe e feira nos mercados cai

Triste realidade

As vendas do comércio varejista brasileiro recuaram pelo terceiro mês seguido. É o que aponta a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), do IBGE, divulgada nesta quarta-feira. O volume de vendas caiu 0,8% em julho - a maior queda para o mês em quatro anos -, levando o setor para o patamar próximo do período pré-pandemia, de fevereiro de 2020. Os dados mostram que o brasileiro esvaziou o carrinho de compras, mas, ao mesmo tempo, encheu o tanque do carro. Combustíveis foi o único segmento a apresentar alta nas vendas.

No comércio varejista ampliado, que inclui as atividades de veículos, motos, partes e peças e de material de construção, o volume de vendas em julho caiu 0,7% frente a junho.

Trajetória irregular
De acordo com o gerente da pesquisa, Cristiano Santos, a terceira queda seguida após meses de alta demonstra a retomada da trajetória irregular pela qual passa o varejo desde o período mais grave da pandemia.

Enquanto artigos farmacêuticos, combustíveis, materiais de construção e supermercados registram volume de vendas muito acima do patamar pré-pandemia, há atividades como as de livros e jornais, vestuário e calçados, móveis e eletrodomésticos, além de veículos e motos, que não se recuperaram dos impactos econômicos.

— O setor repete a trajetória que vem acontecendo desde março de 2020, com alta volatilidade — diz o analista, que avalia que parte do crescimento do setor até abril recebeu influências do adiantamento do 13º salário e do FGTS e aumento do Auxílio Brasil.

Efeito inflação
E mesmo os segmentos que já se recuperaram da pandemia tem perdido fôlego. O principal motivo comum é a alta dos preços: nove das dez atividades investigadas pela pesquisa apresentaram retração no volume de vendas, ou seja, quando já se desconta a inflação. Apenas a venda de combustíveis e lubrificantes mostrou crescimento, com avanço de 12,2% em relação ao mês anterior.

— Resultado da política de redução do preço dos combustíveis — justifica Santos, destacando que houve uma queda de 14,15% nos preços, de acordo com dados do Índice de Preços ao Consumidor de julho.

A Petrobrás reduziu o preço da gasolina em julho, e o do diesel caiu logo no início de agosto, efeito do corte da alíquota do ICMS e da queda da cotação do petróleo. A estatal fez novos reajustes para baixo recentemente.

Tecidos e vestuários desabam
Enquanto os combustíveis registram queda nos preços ao consumidor - impulsionando a demanda após 19 meses de alta no acumulado em 12 meses - outros produtos seguiram pesando ainda mais no orçamento das famílias, como é o caso dos preços dos alimentos, eletrodomésticos, roupas, além dos artigos de uso pessoal e doméstico.

Até julho, o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) acumulava alta de 10,07% em 12 meses. Ou seja, apesar da queda registrada no mês em função da redução dos preços dos combustíveis, outros produtos e serviços continuaram reduzindo o poder de compra do brasileiro. Tudo isso em meio ao endividamento recorde das famílias, apesar das medidas adotadas pelo governo, como a antecipação do 13º salário e a liberação de saques do FGTS.

O maior recuo em julho foi observado no segmento de tecidos, vestuário e calçados, que caíram 17,1%. A segunda maior queda veio do segmento de móveis e eletrodomésticos, cujo volume de vendas caiu 3%. Na sequência aparecem livros, jornais e revistas (-2%); equipamentos e material para escritório informática e comunicação (-1,5%); artigos farmacêuticos (-1,4%), hiper e supermercados (-0,6%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (-0,5%).

Segundo Santos, diante da redução da capacidade de consumo atual, o brasileiro tem realizado escolhas na hora de consumir:

— O fato de ter um aumento dos preços influencia na decisão de consumo. O consumidor pode tomar a decisão de gastar mais em serviços e economizar no supermercado, por exemplo — explica o analista, ao pontuar que os preços da alimentação no domicílio, imobiliário, eletrodomésticos subiram em julho deste ano, em comparação com o mês de julho do ano passado.

Segmento de maior peso no varejo restrito, o setor de hipermercados é um dos que mais sente o peso da alta dos preços minando o desempenho. A receita do setor cresceu 0,8% em julho, mas quando se desconta a inflação, o volume caiu 0,6%.

No comércio varejista ampliado, veículos e motos caíram 2,7% e material de construção recuou 2,0%. Estes são os primeiros dado do varejo que contemplam o terceiro trimestre. Na terça-feira, o IBGE divulgou que o setor de serviços avançou 1,1% em julho.

Perspectivas
A perspectiva dos analistas econômicos para o comércio não é animadora neste ano.Isso porque o setor lida com a escalada dos juros - cuja ciclo de alta da Selic agora deve chegar a 13,75%, segundo analistas - que encarece o crédito.

Por outro lado, a recente desaceleração da inflação, somada às medidas de estímulo do governo como o aumento do Auxílio Brasil, e a maior confiança do consumidor contribuem no ânimo dos empresários do setor com os próximos meses.

O Índice de Confiança do Comércio (ICOM) do FGV IBRE subiu 4,3 pontos em agosto, ao passar de 95,1 para 99,4 pontos. Rodolpho Tobler, economista do FGV IBRE, reforça que, embora mais otimistas, o aumento da confiança não tem se refletido nas avaliações sobre o presente, já que pelo segundo mês consecutivo os indicadores que medem a demanda seguem em queda.

"Para os próximos meses ainda é possível imaginar resultados positivos, mas é necessária cautela considerando o ambiente macroeconômico ainda frágil e com alguma oscilação devido à proximidade das eleições ”, avalia, em comentário.

Fonte: Folha Pernambuco