Processo de privatização da RLAM submete trabalhadores a um ambiente de trabalho inseguro e tenso

Vidas interrompidas

O luto alcançou como fenômeno coletivo os trabalhadores petroleiros. Com ele, o pesar, a revolta, a insegurança, o esgotamento mental, a descoberta compartilhada da morte solitária, do horror, do suicídio nas dependências das refinarias.

Uma investigação da Auditoria Fiscal do Trabalho, vinculada à Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT)/Ministério da Economia, e do Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador (Cesat) da Bahia revelou que a morte por suicídio do trabalhador da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), ocorrido em 22 de setembro de 2020, foi causada por condições de trabalho desfavoráveis, ambiente de insegurança, de tensão e de mal-estar coletivo.

Tudo isso provocado pela perversidade de um presidente insistentemente sem limite, que dominado pela autoverdade não se preocupa com o fato de submeter pessoas ao risco de morte e insiste, a qualquer custo, no desmonte da Petrobrás e das principais políticas públicas do país.

O encontro desse sucateamento programado da coisa pública com a primeira onda da pandemia, ainda em abril de 2020, exacerbou a fabricação de mortes evitáveis – ou seja, mortes preveníveis, total ou parcialmente, por ações efetivas dos serviços de saúde e de garantia dos empregos.

O Brasil, que já despontava como país das Américas com altas taxas de mortes evitáveis – sobretudo relacionadas aos homicídios, mortes no trânsito e suicídios –, se viu produzindo uma espécie de inevitabilidade pandêmica. Ou seriam pandemias convergentes, já que o nosso flagelo nunca foi apenas a Covid-19.

 A prova disso está no que os técnicos e auditores fiscais do trabalho encontraram ao analisar áreas das diversas unidades da refinaria e as atas da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa).

Segundo o que os técnicos descreveram no relatório, um cenário mais amplo de tensões sociais se desencadeou entre os trabalhadores, desde o anúncio da venda da refinaria. Esta decisão da Petrobrás, segundo aponta a 7a Ata da reunião da Cipa, instalou um clima de insegurança e de mal-estar coletivo, entre todos os trabalhadores de alguma forma vinculados à RLAM.

Os documentos registraram ainda a pressão sofrida pelo trabalhador, que acabava por ter responsabilidade hierarquicamente maior que a dos supervisores, trabalhando, de forma frequente e habitual, em horários que extrapolavam a jornada de trabalho diária prevista na legislação vigente.

Entre as várias infrações encontradas pela Auditoria Fiscal, foi observado ainda que a refinaria deixou de registrar os horários de entrada e saída e o período de repouso efetivamente praticados pelo petroleiro, por desconsiderar os riscos à saúde dos trabalhadores.

Por fim, oss técnicos e auditores determinaram a necessidade de implantação de medidas de melhorias da organização do trabalho, das condições de saúde e segurança no trabalho e de adequação do quadro de pessoal, com inclusão de profissional da área de saúde mental, a fim de evitar a ocorrência de novos casos de suicídio no trabalho nas dependências da RLAM.

Os especialistas concluíram que as mudanças no contexto laboral da RLAM/Petrobrás tiveram contribuição decisiva para o sofrimento psíquico do trabalhador, seguido de ideação suicida com desfecho fatal.

A RLAM é a primeira de uma lista de nove refinarias colocadas à venda pela Petrobrás. As negociações para a privatização da refinaria baiana tiveram início em julho de 2020. A operação de venda foi anunciada em 24 de março último para o fundo de investimento Mubadala, ao preço aviltado de US$ 1,65 bilhão. O negócio ainda não foi concluído e é alvo de ações na Justiça e em outras instâncias.

O petroleiro tinha 40 anos, era casado e deixou dois filhos, com oito e dois anos de idade. Ele trabalhava na empresa há 12 anos. Morte resultante da omissão, da negligência e do descompromisso com a vida. É nesse sentido que cresce no Brasil a denúncia de que estamos vivendo um genocídio programado.

Fonte: FNP