O que é pior, o prejuízo da Petrobrás ou sua auto-destruição?

Artigo por Eric Gil Dantas, Ibeps

Artigo por Eric Gil Dantas, Ibeps

A Petrobrás apresentou o maior prejuízo trimestral da história, um prejuízo líquido de R$ 48,5 bilhões. Apesar deste número, o prejuízo real foi muito menor, de R$4,637 bilhões, o chamado lucro líquido recorrente. Isto ocorreu por conta de um impairment, uma expressão contábil que se refere à uma baixa nos valores dos ativos por estes ativos terem perdido valor. Neste caso, o impairment foi justificado pela drástica queda do preço do barril de petróleo, o qual saiu de US$ 64,3 na média de 2019 para uma média projetada para este ano de US$ 25 (e um paulatino aumento de 5 dólares por ano, chegando a US$ 50 daqui a 5 anos). Este desconto nos ativos por perda de valor foi de R$ 65,3 bilhões.

Mas isto não se traduziu exatamente em um desastre de receitas. O EBITDA-ajustado (Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização) deste 1º trimestre foi 36,4% superior ao do mesmo período do ano passado e 2,7% superior ao do último trimestre de 2019.

 O que mostra que este prejuízo deve ser visto com menos temor do que parece ser.

Dito isto, vejamos os resultados mais de perto.

A Petrobrás havia apresentado um lucro líquido de R$ 8,153 no último trimestre de 2019 e um lucro líquido de R$ 4 bilhões no mesmo período do ano anterior. Estes resultados foram explicados principalmente pelo alto preço do barril e pelo dinheiro das privatizações (que são contabilizadas como lucro). Isto é, a estatal teve um resultado consideravelmente ruim. Obviamente a principal explicação disto é a crise do petróleo.

Dos 64 dias que compõem o balanço, 17 estão dentro do que podemos classificar como a crise do petróleo, quando no dia 9 de março o preço caiu 24%, e depois disto foi ladeira abaixo. Mas esta crise já vinha se desenhando, com a desaceleração chinesa e mundial e o aumento dos estoques. De 1º de janeiro à sexta-feira anterior ao grande caos (no dia 6 de março), o preço do barril já havia caído 32%. Isto se traduziu, em síntese, em um preço médio do barril 20,5% menor do que no 4º e 1º trimestres do ano de 2019, os quais comparávamos anteriormente.

Além disto, outra explicação foi a queda do consumo dos derivados, o que gerou menores vendas (-9,9%) e menores preços (-7,1%). Apesar de que, como efeito da crise, houve uma retomada da demanda por GLP, principalmente no pós-março (em abril a demanda de GLP cresceu 3,5%). Retomada esta que não será exatamente uma forma de combate à crise econômica brasileira, já que a Petrobrás está optando aumentar as importações de GLP, mantendo as refinarias em um baixíssimo nível de utilização da capacidade instalada (o nível de utilização estava em 75% no início de março, caiu a menos de 55% na primeira quinzena de abril e agora chegou a 66%).

O aumento do dólar também impactou negativamente neste balanço, com a valorização da dívida da empresa, que é em dólar. No entanto, como a Petrobrás ainda não publicou seus resultados em dólar, não podemos verificar exatamente até que ponto isto não foi compensado pelo aumento das receitas de exportação, que são em dólar.

Um fator que amenizou o prejuízo foi justamente a continuidade da exportação de petróleo, que em abril (que foge do período deste balanço) bateu um novo recorde. Por conta do petróleo de alta qualidade do pré-sal, que atende aos critérios da regulamentação IMO 2020, a Petrobrás pôde aumentar em 70% suas receitas com exportações neste primeiro trimestre, se comparado ao mesmo período do ano anterior. Além disto, em abril, em meio à grande crise do petróleo, a estatal exportou cerca de 1 milhão de barris/dia, 145% a mais do que no mesmo mês do ano anterior. Mais uma vez a grande descoberta do pré-sal salva as finanças da estatal.

Outro fator de destaque é a continuidade dos cortes dos investimentos. Desconsiderando bônus de aquisição (por conta de leilões de áreas de exploração), a Petrobrás investiu 23% a menos no primeiro trimestre do que no trimestre imediatamente anterior. Para a comparação com o mesmo período do ano anterior houve um aumento de 6,1%, puxado unicamente por investimentos que foram necessários na área de E&P, por conta da Bacia de Santos e a continuidade do desenvolvimento no pré-sal. Na área de refino, o investimento caiu 61,4% se comparado ao trimestre anterior e 19,3% se comparado ao mesmo período do ano anterior, o que mostra que a estratégia continua sendo a derrocada do parque de refino do país.

Mas mesmo o momento econômico brasileiro e da indústria de petróleo, não irá parar a sana privatista e anti-trabalhador de Castello Branco. Muito pelo contrário! Em mensagem publicada no Release de Resultados do trimestre, Castello Branco lembrou que quer diminuir a quantidade de trabalhadores na estatal. “A aprovação recente de programa de demissão voluntária (PDV) mais atrativo teve como resposta imediata a inscrição de cerca de 1.200 empregados no mês de abril, totalizando mais de 3.000 pessoas a deixarem a companhia até o fim deste ano, sem contar adesões adicionais esperadas em maio e junho” (p. 4). Além disto, nesta mesma mensagem também defende a continuidade das privatizações, principalmente a venda das refinarias: “O programa de desinvestimentos permanece intacto embora possa sofrer algum atraso. Em particular, estamos confiantes de que pelo menos uma parte relevante das transações com refinarias tenha contratos de compra e venda celebrados até o final de 2020” (p. 4).

Menos preocupa este resultado financeiro do que as estratégias que a Petrobrás tem para “superar” a crise. A gigante Saudi Arabian Oil, por exemplo, viu uma queda de 25% do seu lucro no primeiro trimestre. Realmente a crise no setor é grande, e atingirá fortemente todas as petroleiras do mundo e que nos colocará grandes desafios.

Mas vamos refletir sobre as estratégias do governo para a Petrobrás neste momento: (i) aumentar as importações de gás de cozinha, impedindo a produção nacional, gerando queda no emprego e na renda de um país que está enfrentando a maior crise econômica de sua história; (ii) continuar o programa de entrega de ativos da Petrobrás, para empresas que pagarão menores salários, enviarão remessas de lucro para o exterior, não pagarão lucros para os cofres públicos e não irão investir em ciência e tecnologia no Brasil. Isto ajuda ou atrapalha a retomada da Petrobrás e do Brasil?

A estatal deve ser uma das grandes lideranças na retomada econômica brasileira. Não é aceitável que no momento onde o mundo inteiro está procurando compradores para os seus produtores, o Brasil esteja simplesmente aumentando as suas importações e fechando suas refinarias. As refinarias estrangeiras realmente agradecem! Esta é a tradução da estratégia maior de a estatal virar uma exportadora de óleo cru. Todos os ensinamentos econômicos e práticos comprovam, e a realidade de um preço a US$ 25 recomprovam, que isto é suicídio. É necessário manter o refino, o transporte, distribuição e comércio justamente para amenizar o risco desta alta volatidade. Este discurso da necessidade de reprimarização da Petrobrás, mentiroso e irresponsável, poderia até enganar com o preço do barril a 54, 71ou 64 dólares, como estavam nos três últimos anos. Mas e agora, com US$ 25? Temos que abrir mão de uma maior segurança? Temos que entregar à outras empresas o lucro do refino?

Além disto, não é possível abrir mão dos investimentos da Petrobrás, que corresponde a quase 90% dos investimentos de todas as estatais e é uma das empresas que mais investem no país. Economias retomam seu crescimento com grandes investimentos produtos.

Mais do que nunca, os petroleiros têm a missão de ajudar a acabar com o saque ao país e a destruição da economia nacional.

[1] Economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais, é doutor em Ciência Política pela UFPR.

Fonte: Sindipetro-SJC