Alternativa à reforma da Previdência e ao Teto de Gastos: Combater a sonegação fiscal

Estudos comprovam

As reformas da Previdência, Trabalhista e o teto de gastos, propostas do governo de Michel Temer para, supostamente, tirar o Brasil da crise, tiram do foco dos problemas nacionais um dos maiores – e reais – rombos do país: a sonegação fiscal. Com isso, perdemos mais de R$ 500 bilhões por ano – ou cinco vezes o orçamento da Saúde.

Dados do World Economic Situation and Prospects Report, documento da Organização das Nações Unidas (ONU) que anualmente analisa a situação econômica do mundo, e do Sindicato dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), mostram que a sonegação fiscal no Brasil chega a 28% do que as empresas deveriam pagar ao país em impostos. Para os relatores da Onu, o fenômeno presente em toda a América Latina impede que governos tenham acesso a recursos que poderiam ser usados para financiar serviços públicos.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Grazielle David, especialista em Orçamento Público do Instituto de Estudos Socioeconômicos, explica que o valor sonegado é equivalente ao orçamento da Previdência Social.

Os impostos mais sonegados no país, segundo Grazielle, são Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias que, se arrecadados, poderiam ser destinados à Previdência Social, por exemplo. “Em um momento que se fala que a Previdência precisa ser completamente reformada e os direitos negados, se todo o valor da sonegação fosse recuperado, toda a Previdência poderia ser paga”, diz David. O estudo feito pelo Sindicato dos Procuradores em 2016 diz que a sonegação chega a 10% do PIB nacional.

Segundo o governo existe um desiquilíbrio fiscal que precisa ser equacionado. Para isso, quer aplicar reformas na Previdência, como: limitar a idade mínima em 65 anos para homens e mulheres; proibir o acúmulo de pensão e aposentadoria; para receber o teto da contribuição o cidadão terá que trabalhar 49 anos, sem ter ficado um único dia desempregado ao longo desse período; entre outras.

Está definido pelo governo atual que a conta da crise, provocada por jogadas de mercado, aumento do dólar, queda do preço do petróleo, desaceleração da indústria e pela corrupção em todas as instâncias do poder, será cobrada da população. Do pobre à classe média, todos serão punidos para manter os altos juros bancários, os lucros empresariais e a mordomia de políticos.

No estudo feito pelo Sinprofaz foi identificado que os tributos mais sonegados são o ICMS, principal tributo estadual, o Imposto de Renda e as contribuições previdenciárias. Outro grupo, o TX Justice Network, uma rede de justiça tributária que utiliza dados do Banco Mundial, observou que o Brasil era vice-campeão mundial na sonegação de impostos, com algo em torno de 13% do PIB.

Como resolver o problema da sonegação?
A princípio se acreditava que o dinheiro que saía de um país para um paraíso fiscal era fruto de corrupção ou dinheiro ilícito. No entanto, o estudo do Global Financial Integrity (GFI), que trabalha com informações de fluxos financeiros, descobriu que a grande proporção - cerca de 80% dos fluxos financeiros - desse dinheiro tem relação com o setor privado e que o principal mecanismo utilizado é o sub-faturamento. “Isso significa que quando as empresas vão fazer as notas fiscais, ou seja, informar seu faturamento, elas informam com um valor inferior e, assim, conseguem pagar tributos menores, já que muitos deles são sobre o valor de faturamento”.

Como exemplo a pesquisadora explica o caso da Vale, que está como uma das grandes devedoras do país, inscrita na dívida ativa da União. “O Inesc fez um estudo sobre a Vale e observou que a empresa vendia o ferro, que é seu principal minério exportador, a um preço abaixo do mercado internacional. Depois exportava para ela mesma, normalmente para um paraíso fiscal, e, a partir dali, revendia. Ganhando, dessa forma, duas vezes: primeiro, porque deixou de pagar os tributos sobre o faturamento e, depois, porque revende com o valor de mercado lucrando muito.

Medidas como a auditoria da dívida pública sanariam muito da sangria de recursos que são desviados da Previdência e outros impostos, que deveriam ir para a Saúde, Educação e desenvolvimento do país, mas são usados para pagar a dívida pública, que só cresce. Somente para o pagamento das dívidas a União gasta 42% a 42,43% de todo seu orçamento, cerca de Rr$ 1 trilhão.

Para Grazielle, o primeiro passo para combater a sonegação é revogar todas as leis que extinguem a punição de quem comete crimes tributários caso o pagamento do tributo seja realizado. “Assim como qualquer outro crime, a sonegação deve ser punida adequadamente, ao ponto de que não seja benéfico cometê-la. Enquanto for mais lucrativo sonegar e cometer um crime tributário vai haver grande motivação para que isso aconteça. Tanto é verdade que a sonegação entra no planejamento tributário das empresas, principalmente das grandes, que tem capacidade de pagar caro por advogados, economistas e contadores que conseguem, com um planejamento tributário mais agressivo, incluir a sonegação como uma estratégia. Porque se eles deixam de pagar os tributos ao longo do ano investem esse valor e rende muito. E após cinco anos, se a sonegação não for descoberta, prescreve”.

Para isso, a fiscalização é a principal arma e precisa ter incentivo financeiro, como aquisição de softwares e equipamentos que integrem as informações entre cidades e contratação de pessoal.

Grazielle acredita que há má vontade política para resolver o problema da sonegação: “Sempre que a gente traz essa possibilidade, ela é encarada como impossível de ser realizada. É interessante como todas as medidas de austeridade são consideradas embasadas cientificamente e as medidas alternativas - combate à sonegação, repensar as exonerações realizadas e melhorar a eficiência da cobrança da dívida ativa - são consideradas utópicas. Isso demonstra algumas ideologias e interesses envolvidos. Os crimes tributários, como a sonegação, deixaram de ser crime de fato porque perderam a punição a partir de 1996, um ano de grandes medidas de austeridade no país. Podemos perceber, então, que nos ciclos de medidas de austeridade e de liberalismo econômico, temos cenários que cortam investimentos públicos, se amplia o valor do orçamento público que vai para o que podemos chamar de financismo e se beneficia grandes grupos econômicos, que normalmente são capazes de realizar grande sonegações. Se a gente observar os 500 maiores devedores inscritos na dívida ativa da União, percebemos que são grandes corporações. Percebe-se um interesse em beneficiar exatamente esses grupos. O poder econômico está muito ligado com o poder político, existe uma troca de favores ali”, conclui.

Fonte: Brasil de Fato