Afinal, o pré-sal existe? Trouxe benefícios para a Baixada Santista?

Estudo do DIEESE

Dez anos atrás, quando em julho de 2006 a primeira jazida de óleo leve foi descoberta no campo de Tupi, na Bacia de Santos, uma nova palavra começou a invadir a vida dos brasileiros: pré-sal. Como um mantra, essas seis letras passaram a ser repetidas de norte a sul do país. Na Baixada Santista, uma das regiões que por sorte geográfica foram classificadas como berço desta riqueza, não se falava de outra coisa.

Explorada com euforia por governos e empresários do mercado imobiliário, repercutida quase diariamente pela imprensa, a descoberta do pré-sal na Bacia de Santos se transformou na grande esperança de desenvolvimento da Baixada Santista. Entretanto, dez anos depois ainda existem muitas perguntas entre os moradores da região: o pré-sal existe? Se existe, por que não trouxe benefícios para a região?

Uma pesquisa realizada pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), em maio deste ano, apresenta uma radiografia desde 2008 do impacto gerado na região pela exploração e produção de petróleo no pré-sal. Para os mais pessimistas, o resultado é revelador: se houve boas notícias nos últimos anos para quem mora no pé da serra do mar, elas se devem em boa parte a esse insistente e controverso “desconhecido”, o pré-sal. Para conferir o estudo na íntegra, basta clicar aqui.

O pré-sal existe
Com o pré-sal localizado no fundo do oceano, a mais de 300 km da costa da região Sudeste, não é possível atestar com os próprios olhos a extração desta riqueza. Mas os números mais recentes divulgados pela Petrobrás são impressionantes: menos de dez anos após a primeira descoberta, a companhia atingiu a marca de 1 milhão de barris de petróleo por dia no pré-sal. O volume expressivo produzido por poço no pré-sal da Bacia de Santos, em torno de 25 mil barris de petróleo por dia, está muito acima da média da indústria. Dos dez poços com maior produção no Brasil, nove estão localizados nessa área. Importante ressaltar ainda a viabilidade do pré-sal, cujo custo atual de extração é inferior a US$ 10,00, tornando a sua exploração viável mesmo num cenário de queda do valor do óleo cru. No aspecto regional, cabe-se frisar que 71,4 % da produção paulista já vem do pré-sal.

Geração de emprego
O estudo realizado pelo DIEESE demonstrou que o avanço da exploração e produção de petróleo e gás natural aumentou sensivelmente a presença da indústria extrativa (composta basicamente de atividade petrolífera) na Baixada Santista. Para se ter uma ideia, entre 2005 e 2011 sua participação saltou de 3,0% para 20,2% do total do setor no Estado e de 0,2% para 6,5% na estrutura industrial regional.

Com isso, a consequência direta foi o aumento de postos de trabalho no setor. O emprego na área cresceu 49,2% entre 2008 e 2015 na Baixada Santista. Reforçando a importância do pré-sal para a região, o destaque foi a extração de petróleo e gás, que avançou 294,4% no período. Segundo o DIEESE, a estimativa é de que deste total 80% seja de trabalhadores da Petrobrás, dos quais 55% em Santos (a ampla maioria alocados no Edifício Valongo) e 40% em Cubatão, onde a empresa possui duas unidades: a Refinaria Presidente Bernardes e a Usina Termelétrica Euzébio Rocha.

Uma amostra da relevância dos índices de emprego neste setor é quando se compara o seu avanço com o crescimento geral de postos de trabalho na região. Enquanto o setor de petróleo registrou uma elevação de 46,2% entre 2008 e 2014, o emprego em geral avançou 23,6% no mesmo período. No estado de São Paulo como um todo, o crescimento no mesmo período também é significativo, sendo de 30,4% na área do petróleo e de 15% no geral.

No Litoral Norte, embora essa região não tenha sido objeto de estudo por parte do Dieese, sabemos que o pré-sal também teve influência direta e indireta na geração de empregos. A ampliação da UTGCA, por exemplo, só foi possível em virtude da demanda de tratamento de gás do pré-sal. Hoje, temos mais de 700 empregos diretos e indiretos na unidade da companhia na cidade. Além disso, há projetos para a consolidação de novas ampliações por conta das novas plataformas afretadas da Bacia de Santos. Essas iniciativas estão congeladas por conta da crise da empresa e do país, mas são plenamente viáveis.

Royalties
Uma informação pouco conhecida da população são os valores que cada município recebe referente aos royalties - uma espécie de indenização que as petrolíferas pagam às cidades que se enquadram nos critérios técnicos da Agência Nacional de Petróleo para serem beneficiárias destes recursos. Na Baixada Santista, os nove municípios recebem essas verbas.

Entre janeiro e abril de 2016, Santos recebeu um total de R$ 396.919,82; São Vicente recebeu R$ 4.629.104,28; Guarujá recebeu R$ 396.919,82; Cubatão, R$ 20.030.380,40; Bertioga, R$ 15.970.334,59; Praia Grande, R$ 4.629.104,28; Mongaguá, R$ 307.612,85; Itanhaém, R$ 357.227,84; Peruíbe, R$ 967.595,72. Todos esses valores somados dão à região uma quantia superior a R$ 47,6 milhões.

No Litoral Norte, puxados principalmente por Ilha Bela, a terceira cidade que recebe mais royalties no país, os valores são vultuosos. No resultado acumulado de 2016 até abril, Ilha Bela recebeu R$ 65.217.277,71; São Sebastião, R$ 29.630.745,04; Caraguatatuba, R$ 26.426.623,2; Ubatuba, R$ 307.612,85. No total, são mais de R$ 121,5 milhões. Com isso, o Litoral Paulista foi beneficiado através dos royalties com quase R$ 170 milhões.

Esta quantia demonstra que o pré-sal não só existe, como vem se convertendo em fonte de renda para as cidades. Um dos grandes problemas, nesse aspecto específico, é a completa ausência de prestação de contas e transparência das prefeituras e governos estaduais sobre a forma como esses recursos vem sendo utilizados.

O pré-sal existe. Mas está ameaçado
Com os números e informações acima, fica claro que o pré-sal existe e já trouxe benefícios à região. A crise da empresa, com os escândalos de corrupção, se somando ao cenário internacional de crise e queda no preço do petróleo, também interferiu negativamente nos projetos de expansão da Petrobrás. E, infelizmente, a Baixada Santista também foi afetada. O projeto inicial da companhia para Santos, por exemplo, que incluía no Edifício Valongo três torres e não apenas uma, além de uma complexa base operacional que serviria de “centro nervoso” do pré-sal, foi alterado e adaptado à nova realidade econômica nacional e global, mas se tratou sobretudo de uma decisão política. A consolidação em Santos dessa base operacional e administrativa significaria uma descentralização das atividades no Rio de Janeiro (RJ), o que não ocorreu por diversos interesses. Não podemos subestimar o forte lobby que certamente os governos estadual e municipal do Rio devem ter exercido nesta área.

Não podemos deixar de citar também o fato de que, infelizmente, a forma como vem sendo explorado o pré-sal na Bacia de Santos não fortalece a Petrobrás, a região, nem o país. De todas as plataformas da companhia localizadas na Bacia de Santos, nove no total, apenas duas são operadas diretamente pela Petrobrás (Merluza e Mexilhão). As demais, mesmo de propriedade da empresa, têm sua operação transferida para companhias contratadas e trabalhadores terceirizados – a maioria, estrangeiros. Com isso, uma importante quantidade de empregos que se somaria aos já gerados é viabilizado com tripulação estrangeira. Em muitos casos, o objetivo é meramente econômico: baratear a mão de obra.

De acordo com o estudo do DIEESE, quase 40% da produção de petróleo da Bacia de Santos está nas mãos de multinacionais, em campos de petróleo explorados sob o regime de concessão. Ou seja, anteriores à aprovação do regime de partilha, que garante ao país uma participação maior. Entretanto, mesmo sob o regime de partilha uma boa parte do petróleo segue sendo transferido ao estrangeiro. O leilão do campo de Libra, a maior descoberta da história da indústria petrolífera mundial com 12 bilhões de barris, é um exemplo. Se a Petrobrás não entrasse com 40%, o Estado perderia R$ 246 bilhões e as áreas de educação e saúde perderiam R$ 50 bilhões. A partilha nos permitiu esse valor. No entanto, se a Petrobrás fosse contratada diretamente, tendo 100% de participação em Libra, o Estado brasileiro arrecadaria R$ 175 bilhões a mais.

O que fazer
Identificar esses obstáculos não tiram do pré-sal o seu papel estratégico para o país. Como diz o ditado, não se pode jogar a criança junto com a água suja. Essa riqueza encravada em nossa costa marítima é capaz não apenas de gerar emprego e recursos às cidades através de royalties, mas de alterar sensivelmente as condições de vida da população. E não se trata de produzir melhorias apenas aos moradores das cidades e estados mais próximos dos campos de petróleo da Bacia de Santos.

O pré-sal, assim como foi a cana de açúcar, o café, o ouro e o minério, é uma riqueza estratégica que possui plenas condições de ser a locomotiva do desenvolvimento nacional através da aplicação dos seus recursos em saúde, educação, moradia e transporte, além de ser um ponto de apoio importante para a geração de empregos por meio de um amplo programa de obras públicas. Entretanto, para não se repetir o que aconteceu com as primeiras riquezas descobertas em nosso país, devemos impedir que o petróleo seja entregue ao estrangeiro. É isso o que vem ocorrendo e pode, se não houver resistência, ganhar ainda mais gravidade.

Vivemos diante do governo ilegítimo de Temer (PMDB), apoiado em um Congresso corrupto, uma série de ameaças aos direitos dos trabalhadores e ao patrimônio público do país. Reformas da previdência e trabalhista, plano de privatizações e um longo etc que preserva o lucro das elites e rebaixa ainda mais a qualidade de vida da população. E o pré-sal está na mira dos entreguistas e corruptos.

Corre às pressas na Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL 4567) que tira da Petrobrás o seu protagonismo no pré-sal. De autoria do senador tucano José Serra (PSDB), antigo aliado do imperialismo norte-americano, essa proposta retira a participação mínima obrigatória de 30% da Petrobrás na exploração do pré-sal e também elimina o seu papel de operadora exclusiva do pré-sal. Essa medida, que vem de um político flagrado em negociatas com a gigante do petróleo Chevron, visa justamente entregar o nosso petróleo às multinacionais sob o argumento da ineficiência da companhia brasileira. De quebra, fortalece a tentativa de privatização da Petrobrás, que já vem sofrendo desde o governo Dilma (PT) um amplo processo de desmonte e venda de ativos.

A Petrobrás foi a única empresa com coragem, ousadia e capacidade técnica para arrancar das profundezas do nosso oceano essa riqueza. Todas as demais empresas estrangeiras, que hoje surgem como “parceiras” e “salvadoras da pátria", se recusaram a arriscar recursos e tecnologia nessa empreitada. Hoje, com o pré-sal em pleno processo de exploração, rodeiam esse patrimônio como verdadeiros urubus. Para ficar em apenas um exemplo muito concreto, pense no seguinte cenário: a Petrobrás se dá ao trabalho de procurar a caça, traça a estratégia, corre o risco de se machucar, investe tempo e dinheiro, mas na hora de aproveitar o filé mignon quem senta à mesa para saborear o bife saboroso e macio são as grandes corporações estrangeiras. Neste sentido, de que vale impor um ritmo de exploração intenso se os recursos dessa extração não ficarão com o país? Que a Petrobrás, fortalecida pelo Estado, assuma essa tarefa subordinada aos interesses do país, não dos grandes acionistas e do mercado estrangeiro.

Para nós, a saída não é transformar a companhia em uma mera exportadora de matéria prima, explorando e exportando petróleo para outros países. Muito menos defendendo sua privatização. Os exemplos da Vale e da Usiminas, privatizadas para posteriormente serem destruídas, devem servir de alerta. O caminho é justamente o inverso: retomar as obras paralisadas, que causaram milhares de demissões, fortalecer o seu papel de empresa integrada de energia, garantir que os seus planos estratégicos e atividades estejam subordinados ao desenvolvimento do Brasil. E isso passa pela luta de todo o povo brasileiro contra o projeto entreguista de José Serra. Esta é a tarefa mais urgente de todos os trabalhadores, estudantes e movimentos sociais. Esta é a tarefa mais urgente dos petroleiros, que devem ser linha de frente dessa batalha.