A ambiência e a hipocrisia no pós-Greve

Opinião

Por José Eduardo Galvão, diretor do Sindipetro-LP lotado no Edisa Valongo

Prezados com quem mantenho variados tipos de relacionamento no âmbito da empresa,

A Companhia estimula que as relações interpessoais nos locais de trabalho sejam amistosas. Para tanto, lança mão de uma política de ambiência organizacional que, salvo a boa intenção, não conduz ao efeito desejado. Muitos percebem a artificialidade das pesquisas de ambiência e das diversas ações voltadas a este tema. Em geral, o foco são detalhes que pouco influenciam mudanças objetivas em nosso dia a dia laboral. Pior, às vezes os gestores induzem que o problema de a ambiência estar negativa em tal ou qual gerência é por que há empregados críticos, ou melhor, revoltados (os chamados pontos negativos), num linguajar de RH. Bem, uma greve não é um detalhe, ainda mais após 23 dias, e esses críticos continuarão ocupando seus postos de trabalho. Neste sentido, a questão é: como será o relacionamento nesta retomada das atividades?

Durante a greve ficaram nítidas quais eram as possibilidades, fazê-la ou não. Muito embora, algumas espécies de ornitorrincos apareceram por aí: alguns fizeram greve branca, ou seja, aguardavam em casa os ânimos do movimento esfriar e ansiavam por uma mensagem de Whasapp com a informação sobre a queda da barricada de faixas (“Por um ACT digno”, era o escrito de uma delas, “para todos”, complementamos). Estes, nem bem foram um bom grevista, tampouco um bom empregado, pois chegavam depois das 15h na empresa. Como não foram poucos dias de greve, tanto com os ornitorrincos, quanto com os que não aderiram à causa coletiva de fato, não é razoável que grevistas e não-grevistas se portem como se nada tivesse acontecido. Os ânimos se acirraram, as tensões foram elevadas, alguns bate-bocas, apitos, pelego pra cá e pra lá, pelegoduto e, ao final, aqueles que lutaram conseguiram garantir não somente os reajustes econômicos, como também a continuidade dos benefícios sociais e, claro, para todos. Sem hipocrisia! Tal feito também não é um detalhe e, por isso, não será alvo de ação de ambiência. Assim, a presente preocupação informal, por fora dos padrões, é para registrar um caminho.

Evidentemente, grevistas e não-grevistas sabem que devemos primar pelo profissionalismo e não pessoalizar as relações de trabalho, mas não podemos ser hipócritas. Como dizia Victor Hugo, o hipócrita é o espantoso hermafrodita do mal. Assim, para não negativarmos o ambiente de trabalho, fujamos da hipocrisia como o diabo foge da cruz. Caso contrário, seremos, ao melhor estilo shakespeariano, facínoras que agradam e sorriem, sem nenhum critério. Como não existe fórmula pronta, ou mesmo um padrão, pelo menos não no SINPEP, sobre como nos portarmos após uma forte greve da categoria petroleira, o improviso reinará. De minha parte, portanto, na condição de colega de trabalho, não pretendo puxar papo sobre futilidades, futebol, grandes fatos da humanidade, receitas de comida, com aqueles que não aderiram ao movimento. Também não tolerarei, pelo menos nos próximos 23 dias, a título de compensação, falsas iniciativas de conversas. As cordialidades, como “bom dia”, “bom almoço”, “boas festas de final de ano”, “feliz natal”, essas por si sós correm o risco de caírem na hipocrisia, por isso, os assentimentos serão avaliados caso a caso. Sem contar que, a meu favor, tenho a declaração do Papa Fransisco de que as luzes de Natal, as festas, serão falsas este ano, pois o mundo continua fazendo guerras. Ou seja, o espaço para a hipocrisia está diminuto no mundo, no Brasil e, agora, na Petrobrás.

Quanto aos que me relaciono diretamente nas atividades profissionais, em particular na gerência de Serviços Portuários e na atividade de importação de petróleo e derivados, se grevistas foram, as cordialidades serão sinceras. Para os demais, bem, a conclusão é simples e, claro, tudo nos marcos do profissionalismo.

Por fim, no que se refere ao meu relacionamento na condição de diretor do sindicato, àqueles que não fizeram greve, solicito, gentilmente, que não me procurem para saber sobre o ACT, o desfecho das negociações, ou coisa do tipo. Sugiro que façam perguntas ou falem com o RH. Neste caso, apenas neste caso, caso dirijam a palavra a mim, da minha parte não prevalecerá a hipocrisia e sim um verdadeiro sermão desrespeitoso e sincero, com direito à expressão mais propagada aos que não participaram do movimento. Por sinal, tal expressão passou a transitar nas diferentes classes gramaticais, adjetivo, sujeito, verbo etc.

Poderíamos muito mais se todos tivessem participado desta greve, poderíamos muito mais se não fosse a traição da FUP no momento em que, finalmente, a categoria, nas diversas unidades do Sistema Petrobrás, estava 100% unida. Aos que ousaram lutar e não curvaram a cabeça, estamos revigorados e motivados para o trabalho. Aliás, isto sim é um plano motivacional que, ironicamente, passa longe de qualquer plano de ambiência corporativo.

Cordialmente, Galvão.