O Direito Penal Econômico e os Fundos de Pensão – Parte III

Por Cacau Pereira, pesquisador do Ibeps

Por Cacau Pereira é pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais – Ibeps

Vimos, em nosso último artigo, que tramita no Senado o Projeto de Lei (PLS) 312/2016, que estende a incidência dos crimes financeiros previstos na Lei 7.492/1986 – Lei do Colarinho Branco – aos gestores de entidades abertas e fechadas de previdência complementar e unidades gestoras de regimes próprios de previdência social. O PLS inclui os fundos de pensão no rol das instituições financeiras.

Há uma disputa de interesses que envolve o mercado representado pelos fundos de pensão e o Projeto trata com rigor as administrações das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC).

O PLS amplia o rol de autores nos crimes financeiros cometidos a partir de fundos de pensão, incluindo os “administradores, dirigentes e membros de seus conselhos estatutários”, os “demais profissionais a elas vinculados” (art. 25-A, I, a), as mesmas pessoas ocupantes de cargos em “patrocinadores dos planos de benefícios das Entidades Fechadas de Previdência Complementar“ (art. 25-A, I, b) e, por fim, os “prestadores de serviços” dos fundos de pensão (art. 25-A, I, c).

Uma novidade do Projeto é a definição do novo tipo penal de gestão fraudulenta, que seria “usar com habitualidade de expediente, artifício ou ardil para descumprir normas ou para simular ou dissimular resultado ou situação, com o fim de induzir ou manter pessoa física ou jurídica em erro”. A redação guarda muita semelhança à do crime de estelionato.

Já o novo tipo penal de gestão temerária é assinalado como sendo “assumir com habitualidade risco não admitido pelas normas do sistema financeiro nacional ou, na falta destas, contrário às regras e costumes de cautela e prudência vigentes no mercado, acarretando dano ao patrimônio da instituição financeira ou de terceiros”.

A definição proposta é bastante ampla – o que seriam costumes de cautela e prudência? – e coloca em questão se haveria a possibilidade de o Poder Judiciário criminalizar o negócio de risco. 

Afinal, existe atividade financeira sem risco? Na doutrina jurídica admite-se a existência de risco saudável, decisões lícitas equivocadas e negócios criminosos. São conceitos bem distintos e definidos, que não podem nem devem se confundir.

Temos, ainda, o novo tipo penal de facilitação de gestão fraudulenta e gestão temerária, definido como “facilitar a prática de crimes de gestão fraudulenta ou temerária de instituição financeira, pela emissão de opinião, estudo, parecer, relatório ou demonstração contábil que estejam em desacordo com as boas práticas ou com a respectiva regulamentação”.

Os possíveis alvos desses delitos seriam administradores ou funcionários de empresas de auditoria, escritórios jurídicos e de contabilidade, empresas de atuária etc. Aqui também questionamos se o tipo penal não abriria caminho para a criminalização da opinião técnica emitida. 

Há, por fim, a introdução do tipo penal de infidelidade patrimonial ou administração desleal, que seria a má conduta daquele que deveria tutelar o patrimônio alheio e acaba por danificá-lo, a partir de dentro. 

Esse tipo penal diferencia-se de outros delitos como estelionato, furto etc., que corporificam agressões externas ao patrimônio ou à propriedade. A propriedade é protegida contra agressões internas por meio do art. 168 do Código Penal, mas o patrimônio não goza da mesma proteção geral.

É um conceito ampliado e presente no Direito Penal Econômico contemporâneo, tipificado como crime na Alemanha, Portugal, Espanha, Itália e Suíça. Esse tema ganhou relevância sobretudo a partir da crise financeira que atingiu os bancos em 2007/2008.
Encaminhado pelo Senado à Câmara dos Deputados, o PLS 312/2016 recebeu nova numeração, passando a tramitar como PL 5.546/2019.

O acompanhamento da tramitação desse Projeto é de interesse dos participantes dos fundos de pensão mas, alertamos, o elemento principal na fiscalização das administrações  das EFPC deve recair sobre os próprios participantes, com instrumentos internos de controle e governança cada vez mais transparentes, democráticos e participativos.