A Seguridade Social no Brasil – parte IV

Por cacau Pereira, pesquisador do Ibeps

Da ditadura militar à redemocratização: reflexos no sistema previdenciário

Vimos, no artigo passado, como se deu a centralização da previdência social no Brasil. Nesse artigo veremos como a ditadura se utilizou desses instrumentos para buscar a sua sustentação e manutenção.

O ano de 1967 marca a hegemonia da medicina previdenciária, cuja expansão faz-se, justamente, através do apoio à rede privada de prestação de serviços. A centralização significou uma expansão inédita do gasto em medicina previdenciária, criando condições de escala para a expansão capitalista da rede de serviços; o conjunto das empresas médicas expandiu sua capacidade hospitalar e ambulatorial, voltada basicamente para o mercado financiado pelo INPS.

Nesta década, portanto, a previdência constituiu-se como mecanismo de acumulação de capital no setor da saúde privada. A criação do SINPAS (Sistema Integrado Nacional de Previdência Social) em 1977, permitiu a reorganização e racionalização da Previdência para enfrentar os aspectos financeiros críticos originados pela expansão considerável dos gastos com a assistência médica. Por outro lado, evidencia que o equilíbrio financeiro da Previdência Social estava comprometido.

Ao final dos anos 1970 e nos primeiros anos da década de 1980, já em pleno período recessivo, vem à tona, novamente, “a crise da previdência social”, num alardeado reconhecimento oficial de que o sistema já se tornava incapaz de sustentar o padrão de gastos montado no período anterior. O INPS, ou a “previdência”, sob o manejo do regime militar, constituiu-se em importante pilar da política de proteção social visando a garantir estabilidade a sucessivos governos ditatoriais.

Foi sob o comando militar que trabalhadores rurais, empregados domésticos e dependentes passaram a ter direitos previdenciários e assistência médica, sem gerar, no entanto, a base de arrecadação correspondente. Entre 1967 e 1980, com a crescente extensão de benefícios, sem a correspondente contrapartida financeira, o INPS passou a gastar nada menos que 92% de toda a sua arrecadação.

A forma de financiamento da seguridade social adotada historicamente no Brasil, até 1988, concorreu também para a descapitalização da Previdência Social e não conferiu à saúde o imprescindível caráter universal. Antes da Constituição de 1988 a folha de salários financiava a Previdência Social (70% dos recursos) e, ao mesmo tempo, a saúde (30% dos recursos), No entanto, somente os trabalhadores com carteira de trabalho assinada e seus dependentes tinham acesso ao sistema público de saúde. O correto teria sido, já há algumas décadas, a destinação dos recursos da folha de salários para financiar integralmente a Previdência e capitalizá-la, e a criação de contribuições sociais sobre o faturamento, a movimentação financeira e o lucro, como as atualmente existentes, para financiar um sistema de saúde universal para todos os cidadãos.

A promulgação da Constituição de 1988 cria um Sistema de Seguridade Social, abrangendo direitos previdenciários, de acesso à saúde e à assistência social. A seguridade social garante proteção não só aos trabalhadores, mas a quem dela necessitar. O sistema passou a ser regido, dentre outros, pelo princípio da universalidade da cobertura e do atendimento. A proteção foi estendida a todos os integrantes da sociedade, fazendo, desta forma, os direitos previdenciários, não mais exclusividade de trabalhadores, mas de todos os integrantes da sociedade brasileira, surgindo, por exemplo, o segurado facultativo (toda e qualquer pessoa maior de 16 anos que, independentemente do exercício de atividade remunerada, por meio de sua vontade, se vincula à Previdência Social).

No Brasil, a proteção social evoluiu de forma semelhante ao plano internacional. Inicialmente foi privada e voluntária, passou para a formação dos primeiros planos mutualistas e, posteriormente, para a intervenção cada vez maior do Estado. O marco normativo da Previdência Social brasileira foi a Lei Eloy Chaves, que criou nacionalmente as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários. A Constituição de 1988 alargou o conceito da proteção, incorporando a noção de seguridade social, englobando o tripé das aposentadorias e pensões, da saúde e da assistência social.

 

(*) Cacau Pereira é pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais – Ibeps