Quatro vezes em que as privatizações da Petrobrás geraram oligopólios ou monopólios privados no setor

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps

Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps e doutor em Ciência Política

Um dos argumentos para o desmonte, privatização e entrega da Petrobrás é o do aumento da concorrência. Por exemplo, no site “Novos Caminhos” da Petrobrás a estatal afirma, ao tratar das refinarias, que: “no país, teremos um mercado mais aberto e competitivo, atendendo ao acordo que firmamos com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e à Resolução nº9/2019 do Conselho Nacional de Política Energética, gerando benefícios para o consumidor e a sociedade ao trazer potencial de redução dos preços dos produtos vendidos”. Este é um discurso padrão dito tanto pela Petrobrás, quanto por agentes estatais (presidentes, ministros, órgãos de regulação) e por agentes privados (empresas concorrentes, mercado, think tanks e mídia).

Apesar do discurso, as consequências de diversas privatizações estão longe de ser o de aumento da concorrência e diminuição de preços. Bem, de 2015 pra cá (início do atual processo de “desinvestimentos”) nenhum produto fabricado a partir de petróleo e gás natural no Brasil passou a custar menos. Mas não é a questão do preço que quero tratar aqui – o qual nada tem a ver com a maior competição, vide países como os europeus, onde tem maior competição e preços mais elevados, ou mesmo a lógica do mercado aplicado pela Petrobrás, gerando os maiores preços de sua história recente. Aqui lembrarei de quatro casos de privatizações (desinvestimentos) da Petrobrás que estão gerando monopólios ou oligopólios privados, indo de encontro ao discurso oficial.

Primeiro é a Liquigás. Em dezembro de 2020 a Liquigás foi comprada pela Copagaz e passou a integrar a empresa Copa Energia. Como está no site do grupo, “as nossas duas marcas, Copagaz e Liquigás, já conceituadas e consolidadas respondem juntas por 25% da distribuição de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) do Brasil. Possuem operações em 24 estados e Distrito Federal e cerca de 90 mil colaboradores diretos e indiretos”. Segundo dados do Painel Dinâmico do Mercado Brasileiro de GLP, o número exato desta soma para agosto de 2020 é de 29,87%. Se considerarmos só botijões de 13 kg, este número é de 30,99%. A Liquigás era a empresa com o maior market share do mercado, agora transferimos uma liderança turbinada do setor para um grupo privado. Que maravilha!

Segundo e terceiro, NTS e TAG. Privatizadas entre 2017 e 2021, as duas maiores transportadoras de gás do Brasil são agora de propriedade de franceses a canadenses. Além de ter virado um custo bilionário para a Petrobrás, que tem que pagar pelo aluguel dos gasodutos que antes eram de sua propriedade, a NTS e a TAG foram responsáveis em julho de 2021 por 79% de toda a entrega de transporte de gás natural do país. Além do mais, não existe concorrência entre si, pois cada uma delas atuam em regiões diferentes. Os novos proprietários herdaram um verdadeiro monopólio bilionário, e com um cliente refém – a Petrobrás. A Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S/A (TBG), do qual a Petrobrás é proprietária de 51%, também poderá ser privatizada em breve. Sozinha, a TBG entregou outros 20% do gás natural transportado por gasodutos no país. Só por curiosidade, as outras duas empresas que possuem gasodutos são a GOM e a TSB, com 1,1% de entrega de gás natural em julho de 2021. Bem, no final das contas, a Petrobrás transferiu monopólios estatais para monopólios privados estrangeiros, e com a possível privatização da TBG, terminará o serviço sujo.

O quarto caso é do mesmo de julho, a conclusão da venda da Gaspetro para a Compass, de propriedade do Grupo Cosan. A Cosan S.A. possui, além da própria Compass, a Raízen (junto à Shell), a Rumo Logística (maior companhia de logística com estrutura ferroviária do Brasil) e a Moove (uma das maiores companhias de produção, venda e distribuição de óleo lubrificante do mundo e líder no mercado de óleo lubrificante premium do Brasil com presença em mercados internacionais, vendendo no país produtos da marca Exxon Mobil). A Petrobrás já havia vendido 49% das ações da Gaspetro para a japonesa Mitsui, ainda no ano de 2015. Com a privatização (ainda a ser aprovada pelo CADE), a Compass herdará a participação acionária de 19 das 27 distribuidoras de gás natural do país, participações que variam entre 23,5% e 100%. Segundo a empresa Sobek, “a Cosan ficará com aproximadamente 80% do mercado de [distribuição de] gás natural  e que, mesmo que adquirisse somente as distribuidoras de gás do Nordeste, sua participação seria de cerca de 55%, enquanto no Sul, a concentração seria de 54%”[1]. Somado a isto, a Mitsui (seja diretamente ou indiretamente – através da Gaspetro) tem a participação acionária em 18 distribuidoras de gás natural. Novamente, a privatização da Gaspetro (tanto para a Mitsui, quanto para a Cosan), está simplesmente substituindo um monopólio estatal por um duopólio privado.

Aqui são quatro casos que já foram concretizados. Mas ainda temos vários outros que deverão ocorrer, como a criação de monopólios privados regionais nas refinarias que a direção da Petrobrás pretende privatizar[2]. Ou ainda a transferência da produção de gás natural de Urucu para a Eneva, a qual se transformará na segunda maior produtora de gás natural do país e terá o monopólio do fornecimento de gás para a região Norte.

Como os fatos nos mostram, não há preocupação alguma da direção da Petrobrás em aumentar a concorrência, ela apenas entrega para os seus amigos e clientes mercados monopolistas/oligopolistas muito bem estruturados. Isto, a médio e longo prazo, será desastroso para o país, pois o monopólio estatal define preços não de forma predatória, e sim ao sabor da política econômica do momento (sensível às vontades populares). Mas o monopólio privado atua unicamente para extrair o maior preço possível de um produto, mesmo que para isto afunde toda a economia do país, como já vem acontecendo com todos os derivados de petróleo, onde infelizmente a Petrobrás se fantasiou – neste trágico momento para o Estado brasileiro – de apenas uma empresa “maximizadora de valor para seus acionistas”.

[1] https://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,setor-de-gas-teme-concentracao-apos-venda-da-gaspetro-a-compass-e-prepara-acoes-contra-o-negocio,70003794213

[2] http://www.fnpetroleiros.org.br/artigos/91/por-que-a-venda-das-refinarias-criara-monopolios-privados-e-quais-sao-as-consequencias-disto