Artigo - Eric Gil Dantas, economista do Ibeps
Por Eric Gil Dantas, economista do Ibeps
Depois de um 2021 onde a gasolina, diesel e GLP foram os maiores vilões da inflação, com os combustíveis veiculares (+49%) e combustíveis domésticos (36%) sendo os dois itens de maior inflação no ano, segundo pesquisa do IPCA/INPC do IBGE, congressistas e Executivo procuram dar alguma resposta ao problema. Ou ao menos querem passar esta imagem ao eleitorado.
Atualmente quatro projetos circulam pelo Congresso Nacional com a finalidade de combater o aumento dos preços dos combustíveis. Neste texto quero mostrar as insuficiências destas PECs e PLs: como elas não atacam a causa do problema e como podem se transformar simplesmente em subsídio sem impactos relevantes no preço final dos combustíveis mas com alto impacto fiscal.
O que dizem os projetos?
A Proposta de Emenda à Constituição n° 1, de 2022, de autoria do Senador Carlos Fávaro (PSD/MT) tem o seguinte objetivo: “Altera a EC nº 109, de 15 de março de 2021, para dispor sobre a concessão temporária de auxílio diesel a caminhoneiros autônomos, de subsídio para aquisição de gás liquefeito de petróleo pelas famílias de baixa renda brasileiras e de repasse de recursos da União com vistas a garantir a mobilidade urbana dos idosos, mediante a utilização dos serviços de transporte público coletivo, e autorizar a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a reduzirem os tributos sobre os preços de diesel, biodiesel, gás e energia elétrica, bem como outros tributos de caráter extrafiscal”. Ou seja, esta PEC visa tanto a redução de impostos (federais e estaduais), quanto a criação de outros benefícios: Vale-Diesel mensal de R$ 1.200,00 para caminhoneiros, Vale-Gás de 100% do valor do e financiamento de acesso de idosos ao transporte público. A PEC valeria neste ano de 2022 e no ano de 2023.
Como é uma PEC, é possível determinar que não haja compensação financeira – o que seria vedado a partir da lei de responsabilidade fiscal para casos de projetos de lei. Mas indica fontes: (i) fundo social do Pré-sal; (ii) dividendos da Petrobras; e (iii) receitas de leilões da cessão onerosa. É uma fonte, mas não é uma compensação financeira, já que nenhuma destas receitas são “novas”, elas já são receitas correntes da União.
Esta PEC também foi assinada pelo filho mais velho do presidente, o que mostra apoio do Planalto.
A segunda PEC é a da Câmara dos Deputados, ainda sem número. De autoria do deputado Christiano Áureo (PP-RJ), o projeto é muito parecido com o anterior, mas trata exclusivamente da questão tributária dos combustíveis. Segundo o texto, “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em decorrência das consequências sociais e econômicas da pandemia da Covid-19, poderão promover nos anos de 2022 e 2023 a redução total ou parcial de alíquotas de tributos de sua competência incidentes sobre combustíveis e gás”. Abrangeria diesel, gasolina, etanol e GLP, também sem compensações de receitas. Os tributos seriam os mesmos: IPI, IOF, Cide, PIS/Pasep, Cofins, e ICMS – tributos estaduais e federais.
Este projeto também tem apoio da Presidência.
O terceiro é um projeto de lei complementar (PLP 11/2020), de autoria do deputado Emanuel Pinheiro Neto (PTB-MT), e já aprovado na Câmara em outubro de 2021, e aguardando ser tramitado no Senado. O projeto “Prevê a apuração do ICMS-substituição relativo ao diesel, etanol hidratado e à gasolina a partir de valores fixos por unidade de medida, definidos na lei estadual”. Isto é, ao invés de o ICMS ser uma alíquota, tal como o percentual de 25% na gasolina comum em São Paulo, ela vira um valor absoluto. Por exemplo, o ICMS em valor absoluto no estado de SP hoje é de R$ 1,59. Seria aplicado este valor, e não mais o percentual de 25%. O tributo seria estabelecido pelo estado para vigorar por um ano, e não poderia ser maior do que a média do ICMS do ano anterior.
Por fim, o último projeto é o do senador Rogério Carvalho (PT-SE), o PL 1482/2021, que já teve um importante substitutivo por parte do também senador petista Jean-Paul Prates. O PL “Estabelece alíquotas mínimas e máximas para o Imposto de Exportação de petróleo bruto e altera a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, para dispor sobre diretrizes de preços para os derivados do petróleo”. O objetivo é a criação de um “fundo de estabilização” para preços de gasolina, diesel e GLP. As fontes de receitas para este fundo seriam o imposto de exportação de petróleo cru, dividendos da Petrobras devidos à União, participações governamentais destinadas à União (royalties, bônus, etc.) e resultados financeiros positivos advindos das reservas cambiais do BC.
Por que os projetos não resolvem o problema?
Estes projetos não endereçam soluções à verdadeira causa do problema, o preço de paridade de importação (PPI). Tocam em questões laterais. São meramente ataques aos sintomas. O caso do ICMS é exemplar, é só uma alíquota que acompanha o aumento dos preços.
O problema não é de volatilidade, que seria resolvido com mecanismos de “estabilização”. Os projetos (separadamente) propõem dois mecanismos para em tese dar estabilidades aos preços, um de curto prazo e outro de médio/longo prazo. O de curto prazo seria este congelamento do ICMS. Muito se fala que o imposto aumenta junto com o preço do combustível, o que teria um efeito cascata. Bem, desde que estabelecemos o Real como nossa moeda, no ano de 1994, a média anual da inflação é de 6,9%. No ano passado a inflação foi de 10,06%! É racional dizer que um tributo tão importante para os estados e municípios deva ser um número fixo, e não um percentual? Ano após ano, governadores terão problemas políticos para estabelecerem o valor de referência destes impostos, meramente para manter a mesma alíquota. O ICMS representou 86% da arrecadação dos estados em 2021, não é qualquer coisa, e é uma das principais receitas (através da cota-parte) dos municípios. Se alguém se preocupa de verdade com a estabilidade das receitas dos estados e municípios, os verdadeiros ofertantes de serviços públicos para a população, não proporiam isto.
Lembrando ainda que o imposto estadual está congelado desde o dia 1º de novembro de 2021, e deve continuar até março deste ano. Mas o efeito no preço final, obviamente, não foi sentido.
A outra ferramenta, agora de médio prazo, seria o “fundo de estabilização” proposto pelos senadores do PT. Com o PPI o preço em Real é estabelecido pela simulação do custo de importação, que seria o preço internacional adicionado o custo de internalização vezes o dólar. É verdade que a situação para o Brasil piorou nos últimos anos com a desvalorização do Real. Desde que o czar do mercado assumiu o Ministério da Economia o Real já se desvalorizou quase 30%. E apesar de hoje o dólar ter dado uma folga (R$ 5,27), a expectativa para o Real é de piora. Com o aumento da taxa de juros do Fed (banco central dos EUA) o Real imediatamente se desvalorizará novamente. O Boletim Focus (BC) prevê uma taxa de câmbio de R$ 5,60 ao final do ano, e de R$ 5,50 para o ano que vem. Além disto, as previsões para o preço internacional do petróleo são da possibilidade de chegar até mesmo a US$ 100. Atualmente o brent e o WTI rondam os US$ 90. Só o ajuste do câmbio para os R$ 5,60 pode pressionar em mais de 6% o preço do barril de petróleo, e consequentemente do combustível. Se o brent chegar aos US$ 100, nesta taxa de câmbio, o aumento será de 17%. Tudo isto é o cenário mais provável para 2022.
Em síntese, não é uma conjuntura de curto prazo. Esta tempestade não vai passar nos próximos meses, nem no ano que vem, para ferramentas de “estabilização” resolverem.
O problema não é o imposto. Segundo o Relatório Mensal de Mercado (do Ministério de Minas e Energias) de agosto de 2008, o mais antigo disponível, a gasolina comum naquele mês tinha uma carga tributária estadual de 27%, e uma carga federal de 16%, ou seja, 43% do preço da gasolina era de imposto. Hoje, segundo dados da Petrobras, a gasolina comum tem um ICMS de 27% e carga federal de 10%, ou seja, 37% do preço da gasolina é de imposto. Já no GLP, a carga tributária total (desde março de 2021 não há mais tributo federal no botijão) caiu de 20% para 15% neste mesmo período. Isto é, uma queda de 6 e de 5 p.p. no total da carga tributária, respectivamente. Não só o imposto não aumentou, mas diminuiu.
Além disto, os últimos subsídios tiveram alto custo fiscal, mas não diminuíram o preço dos combustíveis. Em março de 2021 tanto o GLP quanto o Diesel S-10 (este por apenas dois meses) tiveram desoneração em impostos federais. O único efeito foi no mês de abril, com o diesel S-10 5 centavos mais barato. Mas já em maio o preço médio final do Diesel S-10 aumentou 26 centavos, acabando com qualquer esperança de aquilo dar certo. No GLP o efeito foi nulo. O botijão não ficou nem 1 centavo mais barato, mesmo com a isenção. Novos reajustes engoliram toda a renúncia fiscal que custou cerca de R$ 4 bilhões aos cofres públicos. Sem falar da isenção da CIDE para o Diesel S-10 já lá em 2018, na greve dos caminhoneiros.
Como os aumentos continuam a acontecer, qualquer renúncia fiscal muito provavelmente vai virar lucro no bolso dos vendedores.
Não podemos entregar dinheiro público para financiar importadores. A ideia de taxar exportação para financiar combustíveis no mercado interno poderia ser boa, afinal de contas é um absurdo que exportações de produtos primários (como petróleo, soja, ferro, carne etc.) sejam imunes ao ICMS, fruto da Lei Kandir. Esta imunidade tributária ocorre somente por conta da força política que estes segmentos sempre tiveram em um país que historicamente apenas extrai riquezas de suas terras e manda ao exterior pelo porto mais próximo. No setor de petróleo, como o próprio projeto dos senadores petistas indica, seria uma forma de incentivar a utilização da capacidade instalada de nossas refinarias, hoje parcialmente ociosa. Isto contribuiria com nossa industrialização, com substituição de importações de combustíveis. Mas à esta fonte, como foi explicado no item onde descrevemos os projetos, foi misturado o dinheiro público que já serve ao Tesouro, como os dividendos da estatal e as participações governamentais pagas pelas petrolíferas que operam no país.
Na prática, o que este fundo faz é financiar importadores de combustíveis, ajudando estas empresas a atingirem os tão desejados preços internacionais. Segundo o último levantamento da consultoria CBIE (Centro Brasileiro de Infra Estrutura), de 31 de janeiro, a defasagem em relação aos preços internacionais são: R$ 0,46 para o Diesel S-10 e R$ 0,55 para a gasolina. Se este fundo estivesse em vigor hoje, estaríamos retirando das contas públicas dinheiro de dividendos e participações governamentais (além do imposto sobre exportação) para pagar esta diferença. Só para não mudar nada – isto é, não baratear em nenhum centavo os combustíveis, apenas pagando a “diferença” atual – quantos bilhões de Reais não torraríamos dos cofres públicos?
A solução é a própria Petrobras como empresa integrada e estatal
A grande imprensa repercutiu recentemente cálculos do Observatório Social da Petrobrás que mostram o aumento do preço dos combustíveis com a privatização da refinaria RLAM (atual Mataripe). Antes de ser entregue ao fundo estrangeiro Mubadala Investment Company, a refinaria vendia gasolina e diesel mais baratos do que a média das outras refinarias da Petrobras. Hoje, a gasolina está 23 centavos mais cara e o Diesel S-10 14 centavos mais alto do que a média da estatal.
Isto é só um fato, mas existem vários outros que comprovam que a privatização em fatias da Petrobras em nada tem a ver com a melhoria da vida dos brasileiros. Assim como a venda das refinarias, a privatização de distribuidoras, gasodutos, campos etc. têm como efeito imediato aumento preços e da apropriação privada de lucros em detrimento da renda da população brasileira. Estamos aumentando o nível de monopolização privada da economia, diminuindo dividendos para a União, investimentos e salários. Só isso.
A privatização é o caminho oposto à solução do preço dos combustíveis. Isso é óbvio.
A Petrobras tem uma estrutura de custos que permite que ela cobre preços muito mais baratos pelos combustíveis do que atualmente. O custo para produzir gasolina, diesel e GLP não mudou nos últimos anos (à exceção do que se paga de participações governamentais, que varia junto ao preço do brent), mas todos os derivados alcançaram seus maiores preços reais da história.
É possível vender combustíveis sem ser a preços internacionais. Produzimos a maior parte do que consumimos de combustível. Mas precisamos de uma Petrobras estatal e integrada. Por isto é urgente parar a entrega dos ativos da maior empresa da América Latina. Não podemos deixar que continuem fazendo com o país o que fizeram com a Bahia.